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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

OS VÍRUS QUE ABALARAM O MUNDO


             A população mundial atingiu mais de 7 bilhões de seres humanos. Isso se deve à vertiginosa procriação e à longevidade. Mas também, é principalmente, pelo avanço científico que tem conseguido controlar os vírus que no passado provocavam as grandes tragédias. 
                 Hoje sabemos que aquelas tragédias eram causadas mais por fatores socioambientais do que das características genéticas da patologia. Essa conclusão só foi possível porque, coletando resíduos de sangue de quatro ossadas, os pesquisadores conseguiram reconstruir todo o genoma da peste. É a primeira vez que uma enfermidade antiga tem seu DNA inteiramente desvendado. 
           As pestes e epidemias acabaram com a antiga Grécia, com Roma Imperial, e  se espalharam pelo mundo da Idade Média como um espectro de vicissitudes. Com o advento da medicina moderna, dos antibióticos e vacinas pensava-se que era o fim das epidemias. Mas novos vírus (super-vírus) estão surgindo e mesmo a mais avançada medicina não se mostra capaz de detê-los. 
              De todas as tribulações que o homem sofreu em sua história, as doenças contagiosas foram as mais fatais. Morreram mais pessoas em epidemias do que em guerras e catástrofes. 
                Em 429 a. C., terminou a Idade do Ouro de Atenas. Primeiro a morte atacou os jovens que viviam e amavam no baixo porto. Depois, embrenhou-se pelas ruelas e becos da cidade alta. E espalhou-se insidiosa. O médico Hipócrates aconselhou que se usasse de muito defumador, embora ditasse essa orientação, a salvo,de sua ilha-refúgio. De nada adiantou: um em cada três habitantes morreu, fosse abastado da cidade alto, miserável do Pireu, ou mesmo Péricles - então lider dos democratas radicais - e seus filhos. De seu refúgio, Hipócrates diagnosticava uma atmosfera pestilenta e miasmática em Atenas, trazida pelo excesso de refugiados e soldados que, segundo sua teoria, podia ser purificada pela defumação. 
             Hoje sabemos que quatro vírus se abateram sobre Atenas: a varíola, o tifo, a disenteria e a febre-amarela. Ninguém sabia diferenciar as doenças, e por isso chamavam todas  simplesmente de loismos. O loísmo foi pior que a sangrenta guerra de Peloponeso. E significou o fim da Grécia. 
                 Séculos depois, surgiu uma nova estrela: Roma, a cidade entre colinas, abastecida com água fresca das montanhas, canalizada por eficiente sistema de aquedutos, embora Horácio, amigo do Imperador Augusto, já profetizasse: "Balnea, vina, venus corumpunt corpora nostra" (banhos, vinho e amor destruirão nossos corpos). 
             Mas o poeta se enganou. Não foram os banhos, o vinho ou o amor que destruíram o corpo de seus patrícios romanos. Quem se encarregou disto, 400 anos depois, foi o mosquito transmissor da malária. Como o sistema de canalização estava quebrado, formaram-se pequenos pântanos ao redor da cidade, o que contribuiu para a proliferação da peste. Assim, a febre passou a atacar no verão, enfraquecendo as gloriosas legiões de César. 
               Mas a malária também afetou os inimigos de Roma. Em 410 d.C. atingiu o Rei Alarico e os visigodos. Em 452 foi a vez dos hunos e três anos depois, os vândalos. No final só houve um vencedor: a malária, mal que foi capaz de transformar a Cidade do Mármore em uma  triste ruína. Em 1350, havia apenas 17 mil habitantes atrás de seus muros. Até mesmo os papas tinham abandonado a Cidade do vaticano e se mudado para Avignon, no sul da França. Mesmo assim, foi lá que a peste alcançou o papa Clemente VI. 
              Em 1348 e 1349, a peste matou cerca de 20 milhões de europeus. Paris perdeu 50 mil habitantes, a metade de sua população. Em Hamburgo e Bremen morreram dois terços; em Veneza, quatro quintos. Luebeck ficou deserta em poucos meses. Nove das dez cidades hanseáticas foram vítimas da peste. Em Chipre e na Groenlândia,a epidemia não deixou sobreviventes. 
               Pais largavam seus filhos à própria sorte, médicos abandonavam pacientes e os padres se ocultavam por trás dos muros dos mosteiros. O cronista de Viena registrava: "Não se encontra quem enterre os mostos, nem por dinheiro, nem por amizade". 
           Enquanto os empesteados atravessavam os campos. Flagelando-se com açoites, culpavam-se os judeus pela tragédia. Assim, em 9 de janeiro de 1349, na cidade de Basileia, queimou-se toda a comunidade judaica (cerca de 400 pessoas) numa casa de madeira situada no centro de uma ilha. Em Maiença, foram exterminados cerca de 6 mil judeus de uma só vez, como também em muitas outras cidades alemães. 
                O papa ficava diariamente entre duas grandes fogueiras, conforme orientação médica, como forma de afastar os miasmas do corpo. Até que a epidemia arrefeceu e, por fim, extinguiu-se. 
             O capítulo mais tenebroso da Idade Média terminava. Mas a peste ainda voltou, dezenas de vezes, durante mais de trezentos anos. 
                 De todas as tribulações que o homem sofreu em sua história, as doenças contagiosas foram as mais fatais. Morreram mais pessoas em epidemias que nas guerras, erupções vulcânicas,  inundações, terremotos, homicídios em massa, enfim, tudo de que a natureza ou o homem dispõe em seu arsenal de morte. 
                As epidemias sempre fizeram e continuarão a fazer história. A varíola, trazida pelos conquistadores ibéricos e seus escravos para o Novo Mundo, ditou o fim das civilizações pré-colombianas. O próprio Napoleão Bonaparte temia mais a peste do que a seus inimigos. E foi por causa dela - e não dos muçulmanos - que em 1799 fracassou na batalha do Egito. E até a sua morte - causada por veneno inglês - estava certo de que sua grande "arme" não fora vencida pelos russos e sim pelo tifo. 
                Ainda em 1348 d.C., a famosa Universidade de Paris responsabilizava, pela peste, a tríade formada pelos planetas Saturno, Júpiter e Marte. Quinhentos anos depois, em 1843, a mesma instituição ainda reforçava a tese de que a peste não era contagiosa. Para os velhos médicos, um meteoro, eclipse ou qualquer outro fenômeno meteorológico eram prognósticos para o surgimento de epidemias. O povo comum, entretanto, frequentemente sabia mais que os instruídos. Dava menos atenção às constelações que aos ratos correndo entre seus pés. 
                  Na medicina, o novo conseguia se impor com dificuldade. dessa forma, até meados do século XIX, pouco ou nada havia mudado desde a época de Hipócrates. Mas, já em 1860, o Dr. Ignaz Semmelweis - mais conhecido como "salvador das mães" - declarava a seu colega Professor Scanzoni como "assassino perante deus e o mundo". Isso porque Scanzoni ridicularizava as exigências de Semmelweis pela assepsia das salas de parto. 
               Nos últimos cem anos, o reino das bactérias e vírus foi deslindado pela medicina. O grande prestígio social que os médicos desfrutam atualmente resulta, em grande parte, de sua capacidade de lutar contra os germes que o paciente não vê. 
                 Em 1978, a Organização Mundial de saúde anunciou: "Não há mais varíola sobre a Terra. O último paciente que os médicos da OMS cuidaram foi um cozinheiro da Somália. Quem ainda conseguir descobrir um doente portador de varíolas tem o direito a mil dólares em dinheiro. "Em 1978 a medicina já sonhava com a vitória final sobre os inimigos invisíveis, da erradicação de todas as doenças infectocontagiosas. Até que surgiu a AIDS. 
                No primeiro Congresso Mundial sobre a AIDS, aventou-se que essa epidemia podia muito bem ser comparada às terríveis pestes da Idade Média. A única diferença é que a AIDS levava a uma morte lenta, um mal como o câncer que não tem um final rápido da noite para o dia. 
                   A "peste negra", que matou mais de 50 milhões de europeus entre 1347 e 1351, pode ser considerada como a grande referência para temermos uma nova pandemia. Os estudos indicam que a devastadora bactéria medieval difere muito pouco das que hoje circula pelo mundo. Está comprovado que as causas da tragédia medieval foram mais por fatores socioambientais do que pelas características genéticas da patologia. O nosso arsenal de antibióticos tem nos possibilitado uma defesa contra as bactérias, mas isto pode estar com o tempo contado. A crescente resistência humana a antibióticos poderá fazer com que esses medicamentos não sejam mais eficazes em futuro bem próximo. Estamos prestes a viver uma nova era da medicina: a era pós-antibióticos, na qual uma simples infecção causada por um pequeno corte ou arranhão levará fatalmente á morte. Uma era pós-antibiótico significa o fim da medicina moderna como conhecemos. 

                 Quando.em  1882, Luís Pasteur começou a coletar, por meio de um canudo de vidro, a baba mortal das fauces de cães hidrófobos, ele se encontrava no ápice da glória. Toda a França reverenciava o homem que fora o primeiro a individualizar, nos micróbios, a invisível causa das doenças infecciosas ou contagiosas, que salva as criações de bichos-da-seda, descobrindo a fonte da epidemia que os dizimava, que conseguira desvendar o mecanismo da fermentação da cerveja e do mosto, que tivera a intuição de como os mesmo germes que semeiam a morte podem ser "domesticados" e transformados numa sólida defesa contra o mal. Já, cem anos antes, Eduardo Jenner conseguira preservar o homem da varíola, injetando-lhe a "vacina", uma espécie de varíola benigna de que sofrem os bovinos; e Pasteur, seguindo o mesmo conceito, procurava tornar os carneiros mais resistentes ao carbúnculo - uma rapidíssima e sempre mortal enfermidade do gado -, inoculando-lhes uns bacilos envelhecidos e capazes, quando muito, de produzir-lhes um leve ataque do mesmo mal. O sucesso não fora completo, por causa de algum engano, mas Pasteur não se dera por vencido e, agora, insistia na mesma trilha, tentando descobrir uma arma contra a raiva, uma das mais espantosas e inexoráveis doenças, que ataca homens e animais. 
               Ele, com seus assistentes Roux e Chamberland, retiravam dos cães, mortos de raiva,pedaços de medula espinal, a sede preferida do desconhecido e invisível "vírus"; deixava, depois, envelhecer esses pedaços, durante algumas semanas, e quando julgava que o veneno já perdera parte de seu poder, reduzia-o a uma pasta  e injetava em cães sadios. Os animais suportavam muito bem as injeções e não davam sinal algum de moléstia, mas, preguntavam a si mesmos os três cientistas: estariam realmente "imunizados", isto é, resistentes a um novo ataque do "vírus"? 
              Chegou o momento da grande experiência. Dois cães imunizados e dois que não haviam recebido tratamento algum foram inoculados com doses mortais do "vírus" rábico. Passaram-se longos dias de angustiosa expectativa e eis que os dois cães não imunizados começaram a morder a jaula, a recusar alimentos, a uivar penosamente, até que a morte lhes terminou com dolorosa agonia. 
                Os dois outros animais, os "vacinados", saltitavam alegremente, sem manifestar qualquer perturbação. 
             Era a mais estrepitosa vitória que a Medicina obtivera, desde milênios; era a primeira vez que uma enfermidade era debelada. A Europa exultou, quando se difundiu a notícia, e de toda parte chegaram pedidos de remessa da milagrosa vacina. De Smolensk, na Rússia, chegaram dezenove camponeses, que tinham sido mordidos por um lobo hidrófobo. Abatidos pela pesada viagem, murmuravam o nome de Pasteur, a única palavra francesa que conheciam, como se fora uma fórmula mágica.
                  Toda Paris viveu de coração suspenso, enquanto os cientistas, embora não confiando inteiramente no êxito, aplicavam-lhes as catorze injeções necessárias, mas um grito de júbilo  se levantou, quando se soube que bem dezesseis daqueles homens, já condenados à morte atroz, tinham sido salvos. E o Czar da Rússia foi o primeiro a contribuir para a criação daquele grande centro de pesquisas, que se chama Instituto Pasteur, ainda hoje um dos mais ilustres santuários da Medicina, condigno monumento a um dos mais altos expoentes do engenho humano.

 Reclinado sobre o leito de um doente de cólera, Roberto Koch indaga sobre as causas da horrível moléstia -
            Cerca de dez anos antes que acontecessem esses fatos, um jovem médico de Wollstein, um lugarejo perdido na Prússia oriental, Roberto Koch, começara a interessar-se por minúsculos seres, de que se falava por toda parte. Tratava-se do ainda desconhecido "vírus". Farto do monótono exercício da Medicina e de não poder, frequentemente, causar real lenitivo aos seus doentes, ele resolvera ir bem ao fundo das causas, pesquisar a origem oculta daquelas enfermidades, diante das quais sua ciência era impotente. Começou por estudar atentamente, ao microscópio, o sangue de uma ovelha que morrera de carbúnculo. Viu tênues filamentos, bastõezinhos brilhantes, que nunca vira no sangue de animais sadios, e logo suspeitou de que fossem as causas da horrível doença.Mas, como demonstrá-lo?  Sua técnica era imperfeita (culpa não sua, mas de sua época); ele não conhecia o meio de isolá-los, de fazê-los crescer fora do organismo, a fim de podê-los estudar. e Aquele improvisado bacteriologista inventou, em longos meses de raciocínios e tentativas fracassadas, os métodos que, ainda hoje, empregamos; conseguiu "cultivar" aqueles micróbios, fora do corpo do animal, em tubos de caldo de gelatina, chegando a obtê-los em estado puro, a reproduzir, com eles, a doença em cobaias e ratinhos. Em 1876, com um relatório que é um modelo de precisão e cuidado, anunciou ao mundo a descoberta do micróbio do carbúnculo. As intuições de Pasteur eram exatas:  aqueles seres microscópios eram a causa das moléstias infecciosas. O caminho estava aberto. Armado de uma técnica precisa, de dua lucidissima lógica, Koch atirou-se á procura do traiçoeiro assassino, que todos os anos ceifava milhões de vidas, o bacilo da tuberculose, muito menor e mais difícil de cultivar do que aquele do carbúnculo. Pasteur, em suas comunicações, era imaginativo e brilhante como um ator, buscava o aplauso, e isso o conduzia, muitas vezes, a conclusões erradas ou prematuras. Koch, ao contrário, refez centenas de vezes suas experiências, destruindo, de início, toda e qualquer objeção, antes de poder anunciar, em 1882, sua nova e maior conquista. Agora, ele não era mais o obscuro médico de Wollstein, mas sim o oráculo dos pesquisadores europeus. Ei-lo, de fato, no Egito e na Índia, chefiando um expedição alemã para estudo da cólera, curvado sobre o leito dos maribundos e sobre as águas poluídas, repletas de desconhecido germe. 
                Depois de poucos meses de trabalho, também este novo inimigo, o terrível bacilo em forma de vírgula, que, havia séculos, despovoava a Ásia, estava identificado. Entre os assistentes de Koch, todos apóstolos entusiastas da nova viência, notava-se, pela exatidão de suas observações e a originalidade das pesquisas, um médico militar de apenas trinta anos, Emílio Behring que, desde algum tempo, se dedicava ao estudo da difteria. Todos os médicos sabiam como era difícil que uma mesma pessoa fosse atacada duas vezes por essa moléstia. E Behring esforçava-se em procurar a razão pela qual um indivíduo curado era mais resistente ao mal do que um que jamais o tivera. Talvez, pensava ele, no sangue do indivíduo resistente existam substâncias que bloqueiam o veneno dos germes. Se assim fosse, injetado esse sangue em outro animal, que jamais sofrera de difteria, poderia torná-lo imune. Seguindo essa sua ideia, inoculou o soro (isto é, a parte líquida e clara do sangue) de uma cobaia, curada de difteria, em outra cobaia são; depois, injetou nesta última os bacilos da doença, em dose suficiente para matar um boi. Aguardou alguns dias, observando a cobaia, com trepidação, e nada aconteceu. O animal não demonstrava o menor sinal de mal-estar. exultante, Behring submeteu sua experiência a Koch, e passa a preparar soro de animais imunizados, em grande quantidade, confiando a amigos, médicos, para que o usassem nos hospitais; as crianças, febricitantes, com garganta inflamada e recoberta de membranas esbranquiçadas, depois de uma injeção daquele soro, melhoraram sensivelmente, e logo saravam!
              Era outra vitória da ciência humana; a difteria, o terror das mães daquele tempo, estava derrotada, não mais semearia o luto e a dor entre as criancinhas. 
               Já se passou quase um século desde essa época, todavia, bem poucos sabem que, se ainda estão vivos, o devem a homens como Pasteur, Koch, Behring, os silenciosos pioneiros da luta contra a morte. 

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