A lenda assíria de Ishtar é uma das mais antigas do mundo, porque sem dúvida remonta a uma época muito anterior à da epopeia que a contém, e de onde é feita a tradução seguinte. Este grande poema, atualmente existente apenas em estado fragmentário, mas que não é impossível que futuras descobertas venham a tornar possível restabelecer, parece ter envolvido numerosas lendas das divindades, de modo análogo às metamorfoses de Ovídio, que foram compostas de materiais p´re-existentes, de per si suficientemente vulneráveis para ter obtido um caráter sagrado. O canto relativo às aventuras de Ishtar é por enquanto o mais completo. Descreve a descida de Ishtar ao mundo subterrâneo em busca do seu falecido esposo, Du-zi, o Tammuz, e que as mulheres da Síria são representadas pela escritura como lamentando, é o Adônis da mitologia grega. O mito significa a retirada do sol para a escuridão e frio do inverno, aquele de todos os fatos naturais que mais devia ter impressionado as raças humanas que não gozam um perpétuo verão. Encontra-se sobre uma forma ou outra, em toda a religião acima das mais rudes; o que é característico do poeta babilônico é a poderosa imaginação com que ele pinta Ishtar despida sucessivamente de todos os seus artigos de vestuário até nada lhe restar a não ser o pó da morte; enquanto as consequências para os homens da saída de entre eles da deusa do amor e do prazer, mostra que já nesse período remoto se relacionava sobre causas e efeitos.
AS AVENTURAS DE ISHTAR
- Vou para o país das sombras, de onde ninguém regressa.
- Estendo as mãos como uma ave as asas.
- Desço à casa das trevas, à morada do deis Irkalla;
- à casa de onde se não sai,
- à estrada de onde se não volta;
- à casa de cuja entrada tiraram a luz,
- ao sítio onde o alimento é pó e comida lama.
- Seus chefes são também como aves cobertas de penas;
- nunca se vê a luz, moram na escuridão.
- Na casa ,, ó meu amigo, onde entrarei
- está guardada para mim uma coroa;
- com aqueles coroados que desde dias remotos semearam na terra,
- a quem os deuses Anu e Bel deram o poder de dominar.
- deram-lhe água para matar a sede, bebem águas límpidas.
- Na casa, ó meu amigo, em que entrarei
- moram o senhor e o livre,
- moram o sacerdote e o grande,
- moram os vermes do abismo dos grandes deuses;
- mora ali "Etana", mora ali o deus "Ner";
- mora ali a rainha das regiões inferiores, "Allat",
- a senhora dos campos, a mãe da rainha das regiões inferiores, submete-se a ela,
- e não há quem contra ela se erga na sua presença.
- Acercar-me-ei dela e ver-me-á
- ... e levar-me-á a ela.
Aqui interrompe-se outra vez a história como atualmente a temos, faltando as colunas V e VI. Parece que Hea-Bani está contando ao seu amigo como h´[a de morrer e baixar á casa das sombras. O Sr. Smith pensava, porém, que na terceira coluna está alguém falando de Ishtar, querendo persuadi-la de não descer às regiões inferiores, enquanto na quarta coluna a deusa, que está sentindo todas as dores do ciúme e do ódio, se compraz nos negros detalhes da descrição dessas regiões e declara o seu propósito de descer a elas.
A descida de Ishtar ao país das sombras
- Ao país das sombras, de onde ninguém volta,à terra das trevas,
- Ishtar, filha de Sin (a lua) deu ouvidos;
- deu também ouvidos a filha de Sim
- à mansão das trevas, morada do deus Irkalla,
- à casa de onde se não sai,
- à estrada de onde se não volta,
- à casa de cuja entrada tiraram a luz,
- ao sítio onde se alimentam de pó e comem lama,
- nunca se vê a luz, moram nas trevas.
- Seus chefes, também, são como aves cobertas de penas,
- sobre a porta e fechos está pó espalhado.
- Ishtar ao chegar à porta do país dos sonhos,
- ao guarda da porta dá uma ordem:
- Guarda das águas, abre a tua porta,
- abre a porta para que eu entre.
- Se não abres a porta para que eu entre,
- baterei na porta, partirei os fechos,
- baterei no limiar, e passarei pelas portas;
- erguerei os mortos para que devorem os vivos,
- o número dos vivos será excedido pelo dos mortos.
- O guarda abre a boca e fala,
- diz à princesa Ishtar:
- para, senhora, não a glorificas,
- deixa que vá repetir teu nome à rainha Alat.
- O guarda desceu e diz a Allat:
- Esta água (da vida) vem buscá-la tua irmã Ishtar,
- a rainha das grandes abobadas do céu...
- Allat, ouvindo isto diz:
- Como a cega erva desceu (Ishtar) ao país das sobras,
- como a boca de um inseto fatal, ela...
- Que me importa o seu coração, que me importa a sua cólera?
- Ishtar responde:> Esta água, com meu esposo,
- como comida comeria, como cerveja beberia.
- Deixa que eu chore os fortes que perderam esposas.
- Deixa que eu chore as que perderam os abraços dos esposos.
- deixa que eu chore o filho único que morre antes que cheguem os seus dias.
- Allat diz: - Vai guarda, e abre a porta,
- enfeitiça-a também segundo as regras antigas.
- Foi o guarda e abriu a porta:
- Entra, senhora, que a cidade de Cutha te receba;
- que o palácio do país das sombras se regozije com a tua presença.
- Fê-la entrar a primeira porta, e tocou-lhe, e atirou a terra a grande coroa que levava na cabeça.
- Por que, ó guarda, deitaste à terra a grande coroa da minha cabeça?
- Entra, senhora, é a ordem de Allat.
- Fê-la entrar a segunda porta, e tocou-lhe, e deitou fora os brincos das suas orelhas.
- Por que, ó guarda, deitaste fora os brincos das minhas orelhas?
- Entra, senhora, é a ordem de Allat.
- Fê-la entrar a terceira porta, e tocou-lhe, e deitou fora o colar de pedras do seu pescoço.
- Por que, ó guarda, deitaste fora o colar de pedras do meu pescoço?
- Entra, senhora, é a ordem de Allat.
- Fê-la entrar a quarta porta, e tocou-lhe, e deitou fos os ornamentos do seu peito.
- Por que. ó guarda, deitaste fora os ornamentos do meu peito?
- Entra, senhora, é a ordem de Allat.
- Fê-la entrar a quinta porta, e tocou-lhe, e deitou fora o cinto de joias da sua cintura.
- Por que ó guarda, deitaste fora o cinto de joias da minha cintura?
- Entra, senhora, é a ordem de Allat.
- Fê-la entrar a sexta porta, e tocou-lhe, e deitou fora as suas pulseiras da suas mãos e dos seus pés.
- Por que, ó guarda, deitaste fora as pulseiras das minhas mãos e dos meus pés?
- Entra, senhora, é a ordem de Allat.
- Fê-la entrar a sétima porta, e tocou-lhe, e deitou fora o vestido do seu corpo.
- Por que, ó guarda, deitaste fora o vestido do meu corpo?
- Entra, senhora, ´pe a ordem de Allat.
- Quando Ishtar há havia descido muito ao país das sombras
- Allat viu-a e mostrou-se altiva;
- Ishtar não ponderou e rogou-lhe pragas,
- Allat abriu a boca e falou:
- A Namtar (o demônio da peste), seu mensageiro, deu uma ordem:
- Vai, Namtar, leva daqui Ishtar,
- Leva-a parra........., sim, a Ishtar,
- dá-lhe doença nos olhos,
- dá-lhe doenças nas costelas,
- dá-lhe doença nos pés,
- dá-lhe doença no coração,
- dá-lhe doença na cabeça,
- dá-lhe doença em toda ela.
- Depois de a senhora Ishtar ter descido à região das sombras,
- o touro não queria unir-se à vaca, nem o burro à burra,
- a escrava na rua não deixava que lhe tocassem,
- deixou-o livre de mandar,
- deixou a escrava de dar a sua oferta.
COLUNA II
- Papsukul, mensageiro dos grandes deuses, inclinou a sua face ante Sama;
- ..............Este perdeu-se no tempo.
- Samas (deus do Sol) partiu e achou-se na presença de seu pai, o deus da lua,
- Foi em lágrimas à presença do rei Hea;
- Ishtar desceu às regiões inferiores e não regressou;
- há muito tempo que Ishtar desceu ao país das sombras,
- o touro não quer unir-se à vaca, nem o burro à burra;
- a escrava na rua não deixa que lhe toquem;
- o livre deixou de mandar,
- a escrava deixou de dar a sua oferta.
- Hea na sabedoria do seu coração formou um propósito,
- e falou a Atsu-Sunamir, a esfinge:
- Vai Atsu-Sunamir, volta o teu rosto para as portas do país das sombras;
- que as sete portas do país das sombras se abram à tua presença;
- que te veja Allate com a tua presença regozije;
- quando descansar o teu coração e se acalmar o teu fígado;
- suplica-a em nome dos grandes deuses.
- Levanta a tua cabeça, presta teu ouvido ao tumultuar o rio;
- que a senhora Ishtar domine o rio tumultuoso, e beba as águas no meio dele.
- Allat, ouvindo isto,
- bateu no peito, mordeu o polegar,
- tornou a voltar-se, não perguntou coisa alguma.
- Vai Atsu-Sunamir, que eu te prenda no grande cárcere,
- que o lixo dos alicerces da cidade seja a tua comida,
- que os esgotos da cidade sejam a tua bebida,
- que a escuridão do cárcere seja a tua morada,
- que uma estaca seja o teu assento,
- que a fome e a sede caiam sobre teus filhos.
- Alatr abriu a boca e falou
- a Namtar, o seu mensageiro, dá uma ordem:
- Vai, Namtar, bate no palácio firme,
- adorna com pedras da aurora as escadas de pedra (da deusa Asherah),
- manda surgir os espíritos da terra, senta-os num trono de ouro,
- dá a Ishtar as águas da vida e conduza-a ante mim.
- Namtar partiu, bateu no palácio firme,
- adornou com pedras da aurora as estacas de pedra,
- Fez surgir os espíritos da terra e sentou-se num trono de ouro,
- deu a Ishtar as águas da vida e levou-a.
- Fê-la passar a primeira porta e restituiu-lhe o vestido do seu corpo.
- Fê-la passar a segunda porta e restituiu-lhe as pulseiras das suas mãos e pés.
- Fê-la passar a terceira porta e restituiu-lhe o cinto de joias da sua cintura.
- Fê-la passar a quarta porta e restituiu-lhe os ornamentos do seu peito.
- Fê-la passar a quinta porta e restituiu-lhe o colar de pedras do seu pescoço.
- Fê-la passara sexta porta e restituiu-lhe os brincos das suas orelhas.
- Fê-la passar a sétima porta e restituiu-lhe a grande coroa de sua cabeça.
- Visto que (a Allat) não pagaste (diz ele) o teu resgate, regressas a ela.
- por Tammuz, esposo da tua juventude;
- deita sobre ela as águas brilhantes, as gotas de água,
- veste-o ricamente e adorna-o cim um anel de cristal.
- Que Samkhat acalme o pesar (de Ishtar)
- E Kharimat lhe dê consolação.
- Tampouco destruiu ela as pedras preciosas dos olhos,
- uniu a ferida do seu irmão (Tammauz), bateu no peito, ela, Kharimat, lhe deu consolação;
- ela não pediu as pedras preciosas dos olhos,
- (dizendo): Ó meu único irmão, não me lamentes.
- No dia em que Tammuz me adornou, com um anel de cristal, com um bracelete de esmeraldas, adornou-me juntamente com ele.
- consigo mesmo me adornou; que os pranteadores e pranteadoras
- o coloquem num esquife e reúnam quem o há de velar.
Este texto notável mostra Ishtar cumprindo a sua ameaça e descendo ao país das sombras, mas não parece que ela já tivesse se vingado de Izdúbar.
OBSERVAÇÃO FINAL
Já escrevi um resumo descritivo sobre a "Divina Comédia" de Dante Alighieri 3 e concluo que o sábio de Florença também conheceu a Lenda de Ishtar, porque vejo muitas semelhanças que, na minha humilde opinião, pode lhe ter servido de inspiração. Evidentemente quer as suas lendas influenciaram seus autores de acordo com a vida e o pensamento da época em que cada um escreveu. Na Divina Comédia de dante fica bem evidenciado a Influência do poder da Igreja quando ela fala da descida ao "inferno" passando antes pelo purgatório e finalmente chegando ao paraíso (Céu); em cada local são encontradas as pessoas, já falecidas, de acordo com os "pecados" cometidos em vida.
Convido-o a refletir sobre esta hipótese.
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